Quem nunca ouviu a frase “O cliente sempre tem razão!”?
Em que pese o clichê, a realidade não é bem essa. Isso porque não é incomum observar clientes/consumidores que reclamam sem razão (em indiscutível má-fé e intuito de levar vantagem indevida); e clientes/consumidores que, ainda que tenham razão, reclamam de maneira ofensiva e pública (por meio de plataformas digitais como, por exemplo, redes sociais, aplicativos de delivery, sites voltados à exposição de reclamações, etc.).
Na Sociedade da Informação em que vivemos as avaliações e/ou comentários de consumidores em plataformas digitais são consideravelmente relevantes, tendo em vista que podem influenciar (positiva ou negativamente) outros consumidores que eventualmente pesquisem, na internet, a reputação de uma empresa com a finalidade de decidir se adquirirão ou não o (s) produto (s) ou serviço (s) ofertado (s) por ela.
Por certo, o sistema de reclamações, avaliações e/ou comentários públicos é relevante para, digamos, uma “regulação” do mercado no sentido de que empresas que oferecem bons produtos e serviços se destaquem e cresçam, e, aquelas que não oferecem, sejam extintas, bem como para que os consumidores possam fazer escolhas mais conscientes (baseadas em avaliações e/ou comentários reais e sérios). Entretanto, reclamações (com ou sem razão) com excesso de linguagem (com ofensas desmoralizadoras, por exemplo), podem resultar em ofensa à imagem/reputação/honra da empresa perante o mercado de consumo.
Em razão disso, é importante que o consumidor seja consciente e ponderado no momento de publicar uma reclamação, avaliação e/ou comentário em plataformas digitais, tendo em vista que ao optar pela publicação ele perde o controle da extensão do alcance e das consequências que podem advir. A depender das circunstâncias, o consumidor pode ser civilmente responsabilizado por danos gerados à imagem/reputação/honra da empresa em decorrência do excesso de reclamação resultante de manifestações ofensivas, exageradas, desmoralizantes, etc.
É importante destacar que eventual responsabilização do consumidor não pode ser entendida como um instrumento de cerceamento do direito de reclamar, mas sim de coibição e de reparação de danos decorrentes de excessos, de abuso de direito, já que, em que pese a manifestação do pensamento seja livre (art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal), ela encontra limite nos direitos à honra e à imagem (art. 5º, inciso X, da Constituição Federal) – também protegidos direitos da personalidade da pessoa jurídica no artigo 52 do Código Civil -, bem como pelo fato de que, nos termos do artigo 187 do Código Civil, “[…] comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor não estabelece somente direitos aos consumidores. Há, também, princípios e deveres a serem respeitados, tal como se observa do disposto no inciso III, do art. 4º, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece o princípio da harmonização dos interesses nas relações de consumo nos seguintes termos:
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
Para não restar dúvidas aos desavisados, não é demais lembrar que o STJ já firmou entendimento no sentido de que a pessoa jurídica pode sofrer danos morais, desde que comprovado o efetivo abalo à sua imagem (vide Súmula 227 e Jurisprudência em Teses nº 125, ambas do STJ), bem como que há, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, decisões que condenaram consumidores a indenizar empresas em decorrência do excesso de reclamação/abuso de direito, conforme se observa das ementas abaixo consignadas:
DANO MORAL. Ofensas ao autor, clube recreativo, por meio da
rede social Facebook. Impropérios que ultrapassam o direito de
crítica e de livre manifestação. Liberdade de expressão que não
deve se sobrepor aos direitos fundamentais da honra objetiva e do
bom conceito da pessoa jurídica. Linguagem coloquial e informal
usada na Internet tem limite na violação da honra alheia. Dever
de indenizar por danos morais. Possibilidade de danos morais à
pessoa jurídica, titular de determinados direitos da personalidade.
Critérios de fixação dos danos morais. Funções ressarcitória e
preventiva. Quantum indenizatório mantido, à luz das
circunstâncias do caso concreto. Recurso improvido. (TJSP. Apelação
nº 1006141-43.2016.8.26.0362. 1ª Câmara de Direito Privado. Rel.
Des. Francisco Loureiro. Data do Julgamento: 26 de outubro de 2017).
DANOS MORAIS. Veiculação de comentários ofensivos na
internet. Responsabilização da clínica veterinária autora pela
morte do animal de estimação da ré. Mensagens que
extrapolaram o direito à livre manifestação do pensamento,
pois ofenderam a honra objetiva e a imagem da requerente.
Danos morais configurados. Reconvenção. Ausência de defeito
na prestação do serviço, conforme apurado pela prova pericial.
Inexistência de responsabilidade da autora-reconvinda pelos
abalos sofridos pela ré-reconvinte. Sentença mantida.
Honorários advocatícios majorados. Recurso não provido, com
observação. (TJSP. Apelação nº 1016929-96.2014.8.26.0068.
5ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Fernanda Gomes Camacho.
Data do Julgamento: 05 de agosto de 2018).
Apelação – Ação de indenização por danos morais com pedido de
obrigação de fazer e não fazer: abstenção de postagem e publicação
de comentários negativos sobre a autora, bem como pleito de remoção
de todos os compartilhamentos de publicações negativas sobre a
requerente. Ação julgada procedente. Veiculação de comentários
ofensivos na internet contra a clínica veterinária autora, que prestou
serviços ao animal de estimação da ré, que acabou por precisar
ser sacrificado – Ré que responsabiliza a autora pela morte de seu
animal de estimação, tornando público comentários ofensivos
Abuso do direito de livre manifestação do pensamento, com consequente
ofensa à imagem e honra objetiva da autora Configuração de danos
morais – Sentença mantida. Recurso improvido. (TJSP. Apelação
nº 1002803-22.2016.8.26.0278. 8ª Câmara de Direito Privado. Rel.
Des. Clara Maria Araújo Xavier. Data do Julgamento: 25 de outubro de 2018).
Em vista do exposto, é correto afirmar que, muito embora o Código de Defesa do Consumidor vise, preponderantemente, proteger o consumidor, o direito de reclamar não é absoluto, já que avaliações e/ou comentários que extrapolam o direito de reclamar e a liberdade de expressão configuram abuso de direito que enseja a responsabilização civil por eventuais danos provocados à imagem/reputação/honra da empresa.
João Felipe Oliveira Brito. Sócio no OBMA Advogados. Professor Universitário. Especialista em Direito Civil e Processo Civil e Mestre em Direito pela FMU.