Oliveira Brito e Martins Advogados

Substituição do IGP-M pelo IPCA nos contratos de locação comercial.

Substituição do IGP-M pelo IPCA nos contratos de locação comercial.

A crise de saúde decorrente da pandemia provocada pela disseminação do vírus Covid-19 tem gerado reflexos nos mais variados setores da sociedade brasileira (e mundial), especialmente no econômico, principalmente em razão do fechamento temporário e das restrições impostas aos comércios, empresas e indústrias no Brasil ao longo do ano de 2020 e deste ano de 2021 – que resultou na redução do consumo e, consequentemente, do faturamento.

As consequências econômicas, por sua vez, têm gerado reflexos nas relações jurídicas. Têm-se observado, por exemplo, dentre outras, problemáticas nas relações locatícias em razão da alta atípica do IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado) [1] no período. Isso porque, o IGP-M é o principal e mais comum (até então, pelo menos) índice de correção adotado nos contratos de locação.

O aumento do IGP-M (acúmulo de 31,12% nos últimos 12 meses – até agosto/2021[2]) trouxe à tona a discussão acerca da possibilidade (ou não) de revisão dos contratos celebrados para a sua substituição por outro mais benéfico para o locatário. Tem-se requerido (judicial ou extrajudicialmente) a substituição pelo IPCA.

O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), de seu lado, é um indicador que mede a inflação de um conjunto de produtos e serviços comercializados no mercado (varejo), referentes ao consumo pessoal das famílias[3]. Trata-se do índice oficial de inflação adotado no Brasil, cujo acumulado, até o momento, nos últimos 12 meses, é de 9,68% (até agosto/2021)[4].

O atual cenário econômico-social e o elevado aumento do IGP-M têm sido utilizados como fundamento fático por empresas para a aplicação das teorias da imprevisão, do caso fortuito e da força maior e da onerosidade excessiva (todas previstas na legislação civil), especialmente para demonstrar e fundamentar que a aplicação/manutenção do IGP-M como índice de correção vai de encontro com a realidade econômica atual, causando, em vista disso, desequilíbrio entre as partes – dada a possibilidade de o locatário não conseguir arcar com o valor atualizado -, tendo por base, especialmente, a queda do faturamento de grande parte das empresas (especialmente as micro e pequenas[5]).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sobre a temática, já se posicionou, em alguns casos, no sentido da possibilidade de substituição do IGP-M pelo IPCA, tal como se observa das ementas abaixo consignadas:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – LOCAÇÃO DE IMÓVEL – AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL – TUTELA DE URGÊNCIA – Concessão parcial – Presença dos requisitos autorizadores – Verossimilhança – Pandemia – Caso fortuito e força maior – Substituição provisória do índice de reajuste IGP-M pelo IPCA – Possibilidade – Índice contratado que não condiz com a situação econômica atual – Pedido de suspensão da exigibilidade do 13º aluguel – Impossibilidade – Ato negocial entre as partes – Recurso parcialmente provido (TJSP. Agravo de Instrumento nº 2056744-49.2021.8.26.000. 35ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Melo Bueno. Data do Julgamento: 17 de maio de 2021).
APELAÇÃO – AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL – RECURSO DA AUTORA – LOCAÇÃO COMERCIAL – REVISÃODOALUGUEL-FLEXIBILIZAÇÃODAEXIGÊNCIA DE TRÊS ANOS PARA PROPOSITURA DAAÇÃO – PANDEMIA – TEORIA DA IMPREVISÃO – DESCABIMENTO- PROVASDEMONSTRANDOA RECUPERAÇÃO DA EMPRESA – SUBSTITUIÇÃO DO IGP-M – CABIMENTO – ÍNDICE DESPROPORCIONAL NACONJUNTURA ATUAL1 – Deve ser flexibilizado o requisito de três anos de contrato exigido para a propositura da ação revisional de aluguel (Lei n. 8.245/91, art. 19), considerando o contexto extraordinário de pandemia.2 – O pedido de redução de aluguel não é mera consequência lógica da pandemia, dependendo de prova da asfixia financeira e da alteração do sinalagma contratual genético (CC, art. 317).Provas demonstrando a capacidade da empresa, que já ostenta faturamento próximo ao do período pré-crise.3 – Abusividade conjuntural do índice IGP-M como reajuste de contratos locativos, uma vez que seus fatores econômicos se mostram totalmente dissociados do escopo de mera recomposição do poder aquisitivo, alcançando feição próxima da especulação cambial. Substituição para o IPCA, índice mais adequado racionalmente aos propósitos do reajuste. Precedente. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP. Apelação nº 1023541-07.2020.8.26.0564. 30ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Maria Lúcia Pizzotti. Data do Julgamento: 26 de maio de 2021).
AGRAVO REGIMENTAL Interposição contra decisão monocrática da Relatora que deu provimento parcial ao agravo de instrumento Razoabilidade Ação de revisão de contrato de locação de imóvel comercial Tutela de urgência Presença dos requisitos autorizadores Verossimilhança Pandemia Caso fortuito e força maior Substituição provisória do índice de reajuste IGP-M pelo IPCA Cabimento Índice contratado que não condiz com a situação econômica atual Possibilidade de concessão da tutela de urgência condicionada à prestação de caução, consoante prevê o § 1º do art. 300 do CPC Decisão mantida Regimental não provido. (TJSP. Agravo Regimental nº 2111801-52.2021.8.26.0000/5000. 34ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Lígia Araújo Bisogni. Data do Julgamento 23 de agosto de 2021).

Em vista do exposto, especialmente dos posicionamentos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vislumbra-se a possibilidade de substituição, ao menos temporariamente, do IGP-M pelo IPCA nos contratos de locação comercial.

Entretanto, tendo em vista que a problemática apresentada decorre de uma situação excepcional e recente, não há, ainda, nos Tribunais, pacificação/uniformidade sobre o tema. Milhares de processos, com o mesmo objetivo (substituição do IGP-M pelo IPCA como índice de reajuste nas locações comerciais), tramitam e serão distribuídos nos próximos meses pelo Brasil. Logo, milhares são e serão as decisões proferidas, com diversas razões e fundamentações para autorizar ou não a substituição.

[1] Trata-se de um indicador que mede a variação de preços para reajuste de contratos de aluguel, energia elétrica e telefonia – por exemplo -, tendo como base de cálculo os índices IPA, IPC e INCC, que estão relacionados ao preço de setores de produção de matérias-primas, agronegócio, materiais de construção e commodities do setor industrial. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/igpm-agosto-2021. Acesso em: 14 de setembro de 2021.

[2] Ibidem

[3] Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/precos-e-custos/9256-indice-nacional-de-precos-ao-consumidor-amplo.html. Acesso em: 14 de setembro de 2021.

[4] Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php. Acesso em: 14 de setembro de 2021.

[5] Disponível em: https://pme.estadao.com.br/noticias/geral,79-das-pequenas-empresas-tem-queda-no-faturamento-mesmo-com-reabertura,70003759067. Acesso em: 14 de setembro de 2021.

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